ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

domingo, 3 de julho de 2011

cabra-cega

Digitava olhando apenas para as teclas, com extrema atenção. Como se elas contivessem algo de muito especial e importante, que merecesse ser olhado a fundo. Nas vezes em que tinha dirigir os olhos à tela do computador, o fazia de má vontade, era a distração desconcentrante, como se já não bastasse a interrupção da luz que ela emanava.

Queria mesmo era entender a função das letras, conseguir tocá-las fisicamente e só assim chegar ao plano da explicação _ esse plano que ninguém explica, o plano em que funciona a linguagem pela palavra e não tem essa enrolação dessas gentes que não, simplesmente não. Não nada; não se interagem, apenas falam, porque, ok, a linguagem é anterior, mas quando o que vem depois de fato vem, impõe-se com mais força que ela, que nunca foi realmente compreendida pela maioria de seus usuários. O que vem depois da linguagem torna-se maior que ela. Mas o uso que se faz disso é ínfimo, comparado ao seu tamanho e às possibilidades que permite. Queria mesmo era ser capaz de utilizar as letras de maneira que se expandam, atinjam o tamanho do que lhes vêm depois. É uma pena, devia haver compadecimento universal, quiçá sobrenatural; os deuses deveriam ajudar-nos. Porém assim desceriam ao nosso nível. Os deuses são é uns escrotos. Que não querem rebaixar-se ao uso da palavra.

Um comentário:

Bruno Monteiro disse...

mas tem lá o hebraico, cujos praticantes mais ascéticos juram tratar-se de lingua criada pelo próprio demiurgo....