ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

sábado, 23 de julho de 2011

AQUÉM

Fuma charutos, mas não desses cheios de frescura. Fuma cubanos e ponto. Pode fumar cachimbo, também, nas tardes de domingo. Usa ervas que proporcionam prazer quase imediato: a satisfação única da contemplação da fumaça produzindo formas misteriosas. E é assim até o pôr-do-sol, quando entra pro café, pão e qualquer besteira que acalme a ânsia por comer e não contenha derivados do leite.
Às segundas encontra um tal outro senhor, muito distinto, conhecido por sua notável capa cor de açafrão e discutem filosofias políticas por períodos que assimilam-se a eras para aqueles que do assunto não entendem. Ambos fumam em demasia, e as ervas lhes provêm resistência para quedarem-se no mesmo lugar. Em seguida, enfrentam-se em ágeis partidas de xadrex_e aqui, para aqueles que admiram-se com a dita agilidade de tal ocupação, se esclarece que joga-se com tempo cronometrado por gigantescas ampulhetas de material desconhecido; partidas de dez ou cinco minutos, mal havendo tempo para que os oponentes acertem seus pince-néz ou estalem os dedos, hábitos tão comuns aos mesmos.
Em outros dias, trabalha das vinte-e-duas às três-e-trinta em meio a prensas e tintas_o que o faz trazer as mãos sempre escurecidas_no maior jornal da região. É um trabalho um tanto quanto solitário, e, por isso, deveras ideal. Dorme por todo o restante da manhã. O tipógrafo que o substitui finge odiar-lhe o estilo de vida e por ter que trabalhar em dias de descanso, enquanto o outro folga, mas a verdade é que tem-lhe inveja que dói e queria ser seu igual.
Duas tardes por semana, em dias nunca seguidos, nunca repetidos, observa o ecossistema em seu redor; utiliza-se dos aparelhos e aparatos de nomes mais peculiares; conserta o monóculo e estala os dedos incontavelmente; estala também o pescoço, em movimentos característicos. É o responsável pela manutenção do mapeamento de sua cidade e arredores. Tem por diversão desordenar pequenas vias de pouco tráfego e reclamar por motivo de alguma placa exibindo um nome supostamente errado, quando, na verdade, está a renomear uma praça com a graça de sua mãe ou de algum cientista social mais estimado e desconhecido dos cidadãos à sua volta.
Folga às sextas, que é quando vai de encontro à Nêga, sumindo das imediações com uma garrafa debaixo do braço. Volta à casa ao fim da tarde do sábado, os ânimos melhores impossível.
E nada mais importa, porque neste exato momento, ele, Deus, está dormindo até a hora da boréstia de domingo.

domingo, 3 de julho de 2011

machina

Eu descobri a verdadeira revolução industrial. A autoafirmação da espécie humana posta em prática: só é possível fazê-la funcionar movendo o polegar opositor e o indicador na mesma direção. Eis o famoso ‘movimento de pinça’. É, ainda com esta ferramenta, possível exibir fisicamente o status de civilização (Algo aqui que identifique o frio e a vergonha/culpa cristã), uma vez que a mesma serve de mecanismo que possibilita a confecção de cobertura para as partes que não devem ser exibidas, pois estas aludem ao ponto comum entre o homem e os outros animais: o órgão reprodutor.

A verdade: encontrei máquinas de costura de mão, por dez reais, no centro de Niterói. Estou usando pra fazer calcinhas.

cabra-cega

Digitava olhando apenas para as teclas, com extrema atenção. Como se elas contivessem algo de muito especial e importante, que merecesse ser olhado a fundo. Nas vezes em que tinha dirigir os olhos à tela do computador, o fazia de má vontade, era a distração desconcentrante, como se já não bastasse a interrupção da luz que ela emanava.

Queria mesmo era entender a função das letras, conseguir tocá-las fisicamente e só assim chegar ao plano da explicação _ esse plano que ninguém explica, o plano em que funciona a linguagem pela palavra e não tem essa enrolação dessas gentes que não, simplesmente não. Não nada; não se interagem, apenas falam, porque, ok, a linguagem é anterior, mas quando o que vem depois de fato vem, impõe-se com mais força que ela, que nunca foi realmente compreendida pela maioria de seus usuários. O que vem depois da linguagem torna-se maior que ela. Mas o uso que se faz disso é ínfimo, comparado ao seu tamanho e às possibilidades que permite. Queria mesmo era ser capaz de utilizar as letras de maneira que se expandam, atinjam o tamanho do que lhes vêm depois. É uma pena, devia haver compadecimento universal, quiçá sobrenatural; os deuses deveriam ajudar-nos. Porém assim desceriam ao nosso nível. Os deuses são é uns escrotos. Que não querem rebaixar-se ao uso da palavra.