ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mamãe, acho que virei emo. =s

"O paciente com depressão crônica (distimia) apresenta baixa ou nenhuma auto-estima; sente-se desmotivado; tem pensamentos suicidas frequentes; apresenta comportamento agressivo; se desinteressa pela maioria das suas atividades, ou perde totalmente o interesse em todas elas; tem insônia ou dorme excessivamente; apresenta perda de apetite ou alimentação exagerada; apresenta tendência para consumir drogas, álcool, e tabaco, aumentando a freqüência e a quantidade consumida destas substâncias se já as utilizar; há ainda chances de sonhar com a causa da depressão repetidamente, normalmente todas as noites. (Observação: não confundir com o transtorno de personalidade independente)."

sábado, 20 de dezembro de 2008

domingo, 14 de dezembro de 2008

idiota

Considere aqui um fato medianamente excepcional: sua mãe comprou três metros de plástico bolha.
Sim, você sabe que foi isso que pediu de Natal. Não exatamente três metros, mas o plástico em si. Você sabe também que seus pais nunca, em sã consciência (se é que algum dia existiu uma consciência que fosse verdadeiramente sã) te dariam isso como presente. Afinal, os próprios afirmaram que isso não é presente e perguntaram o que você faria com ele. Mediante a sua resposta, ambos tiveram espasmos; não parece uma boa idéia rolar uma escada rolante que sobe. Muito menos enrolado em plástico bolha. Imagine os riscos de asfixia.
Mas agora aí está você, abrindo aquele armário que nunca alcançou, nem nunca vai alcançar no canto mais longínquo da área de serviço (procurando algum produto de limpeza que tire rápida e desesperadamente manchas de parede, pois, não satisfeito com as portas de blindex do Box, você resolve pichar o teto da sala com canetinha azul) e uma sacola cai na sua cabeça e depois no chão, permitindo que o plástico se liberte.
Uma faixa se estende do tanque até a lava-louças; inacreditável. Esfrega os olhos, belisca-se: é verdade. Então você nota que, junto com o plástico, veio um papelzinho, manuscrito com a letra de sua mãe: “embalar copos para a mudança”.
Escuta-se o ruído da porta da sala abrindo e você lembra do teto com ovelhinhas azuis. Mas agora, pelo menos, tem com o que argumentar.
A dona da casa chega e grita:
_Meu Deus, criança, o que você fez com o teto?
E você:
_Meu Deus, mulher, como você pôde trair o movimento?
Aí você consegue realizar o seu desejo de Natal, pois foi emancipado. Aos 11 anos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sentou-se no assento ao lado do meu. Cheguei pro canto o máximo que pude; ela esboçou um sorriso. Me espremi contra a janela, ela chegou-se mais pro meu lado. Perguntei de uma vez, pois não aguentaria aquilo por muito mais tempo:

_Muito bem, o que você quer?

A voz dela era cortante, um tanto metálica:

_Você sabe, você sabe..._ E então me olhou como se nunca antes me tivesse visto, o que fez com que eu tivesse um sobressalto. _ Não se espante, não. Sabes muito bem que cedo ou tarde me encontraria.

_Eu ainda tinha esperanças.

_Eu sei, eu sei. Fugiste do país. Mudaste de endereço por quatro vezes. Plástica no nariz, cabelo cortado, pintado, alisado, lipoaspiração. Mas eu te reconheço até assim.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Em seu lugar

Sente-se no sofá. Pode falar o que quiser. Eu não sou analista, não sou psiquiatra, nem psicólogo. Só estou aqui pra ouvir, porque me interessa a tragédia alheia. Queria ter essa capacidade, a da tragédia. Desde sempre que fui assim, sem graça e isso até poderia ter dado uma boa tragédia, mas não deu. E agora cá estou, a caçar pela de outrem. Vou bebendo cada palavra, como se cada gole me tirasse a própria vida. E a cada ausência de vida que sinto, aumenta a minha necessidade de preenchê-la de vida nova, que busco em você mesmo, minha vítima. Soa clichê, mas sou um vampiro de sentimentos.
Falo pouco, o que falei até agora foi na intenção de explicar-me. Não que eu espere que me entenda, mas seria falta de educação se não me apresentasse. Quanto a você, não gaste energias. Sei tudo sobre sua vida, desde o livro favorito até o fato de não apreciar o ato da leitura. O que, particularmente, acredito ser um desperdício; uma mente brilhante necessita ser polida regularmente e nada melhor que um livro para fazê-lo. Mas perdoe-me a reflexão em hora imprópria.
Antes que comece, quero fazer apenas mais uma observação. Tente não chorar. Não suporto criaturas que se descabelam por seus próprios motivos. É egoísta, meu amigo. E não vou desculpar-me por ser grosseiro ao proferir estas palavras, ou se, por um acaso, ofendi a sua opinião. Falo apenas verdades e estas não devem ser castigadas ou silenciadas. As verdades são absolutas. Chego a enojar-me só de pensar em quão frívolos pensamentos terei de escutar por hoje. Preciso de ar, vou até a janela. Pensando bem, acho que vou mudar de rotina por agora. Adeus, não agüento mais o seu silêncio carregado de palavras e significâncias.

E foi. Pulou. Mas não caiu. Abriu os braços e como estes funcionassem como um perfeito par de asas, saiu voando em direção ao sol do meio-dia.
A pessoa no sofá se levanta, vai até a janela e o acompanha com o olhar. Espia o relógio. Ainda é cedo, mas decide ir almoçar. Merecia uma folga antes do próximo cliente da análise.

Convite para o encontro das máquinas, antes que alguma sobre.

"Eu nunca estive poética, não começa a viajar que nem o Daniel viaja. Contudo, confesso, você me faz poética quase sempre.
Quiçá sempre.
Na verdade, sempre.
(Tenho problemas em assumir coisas.)"



Já que me foi concedida a graça, hei de chover acá também.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

metalingüística (ou minha outra personalidade)

Lai:

Risos.

Ahn...Sei lá, de primeira eu achei muito legal, mas depois, sei lá; é uma vida inteira me fazendo passar por outra pessoa só porque ele estava ali.(ai meldels. ok, entrei em pensamentos profundos demais agora e blablabla. acho que eu preciso postar algo no blog. enfim, broxei muito de ir =/)

domingo, 16 de novembro de 2008

Hoje acordei meio

Desconexamente desesperada e acometida por uma ânsia louca ainda que reticente e tímida por deixar vestígios de prosa poética e poesia prosaica (perdoem-me a infâmia).
Tresloucada.
Descabelo em pessoa.
Detestando filhos únicos e egoístas.
Com uma ligeira e imensa necessidade de citar o roqueiro que quis tanto que quando conseguiu, não o teve:
"Eu sou o pior naquilo que faço e por esse presente me sinto honrado."


E bem sei que não é bem verdade. Melhor ser o pior do que ser medíocre.
Posso citar "Móveis" agora?


Acho que acordei meio Chay hoje.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Sobre o tempo

A ampulheta ficava na sala de estar. Mais ou menos um metro e meio de altura, mas tinha-se a impressão de que crescia mais todo dia; que bom que o teto era alto. Durava um dia inteiro; precisava ser virada ao contrário a cada meia-noite. E assim que o relógio de pêndulo dava a décima segunda badalada, a areia acabava e ele já estava a postos para girá-la. A mulher ajudava e quase sempre conseguiam, mesmo com todo aquele peso. Às vezes ela atrasava ou adiantava um pouco, mas nada que alguns esforços a mais não resolvessem.
Os filhos nunca entenderam o porquê daquilo, sempre acharam uma grande besteira, mas foram educados de modo a respeitar e nunca mexer no “artefato sagrado” (e sempre impecavelmente limpo) dos pais. Na verdade, sentiam um certo ciúme da importância que os pais davam aquilo, principalmente depois de um dia, saindo de suas camas na pontinha dos pés terem visto que os pais desciam do sótão que vivia sempre trancado, dizendo:
_Mas os nossos pequenos vêm dando mais trabalho que a ampulheta da sala! _ E os tais pequenos resolveram, silenciosamente, nunca mais comentar ou sequer pensar no ocorrido, tristes demais pra acreditar naquilo.
Com o passar dos anos, o filho mais velho foi estudar fora e, a partir de então, o casal começou a tentar fazer a filha mais moça se interessar pelo antigo objeto. A menina, porém, odiava aquele “bagulho”, parecia até ter desenvolvido uma certa fobia em relação a ele. Foi ficando mais velha e nem falava naquilo, evitava passar perto. Até que um belo dia saiu de casa, deixando os pais sozinhos para concretizar o seu “ritual da meia noite”. Nunca ficavam doentes ou indispostos e pareciam envelhecer mais devagar que as outras pessoas.
A filha casou-se, teve filhos. E como tinha um certo remorso por ter abandonado os pais quando mais jovem, acabou por levar as crianças para passar um domingo na casa dos avós. Os dois meninos arregalaram os olhos assim que viram a ampulheta e lá foi o avô tentar interessá-los pelo antigo relógio.


lalalalala


Estava na cozinha, relembrando algumas datas já há muito idas, quando ouviu um barulho de vidro quebrando-se na sala e de repente sua mãe caiu no chão desmaiada. Não entendeu o motivo do desmaio e como não conseguia reanimá-la, chamou uma ambulância, que parecia não chegar nunca e seu pai parecia mais preocupado em consertar a ampulheta que os netos derrubaram e quebraram, fazendo a areia escorrer para fora do que com a própria esposa.
Dois dias depois, a avó estava internada, em coma e os médicos não conseguiam descobrir o que tinha; parecia que simplesmente tinham “tirado a velha da tomada”. Enquanto isso, o avô catava a areia derramada sozinho, determinado não perder nenhum grão. Depois de catá-los todos, chamou um vidraceiro amigo seu. Sujeito estranho, usava umas calças largas e um chapéu com um quê de oriental, mas que reparou o vidro quebrado em um instante, fazendo com que voltasse a funcionar.
A avó teve uma melhora milagrosa. E no dia seguinte, quando o avô acertou o horário da ampulheta, ficou tão bem que teve alta; parecia não ter lhe acontecido nada.
Ao chegarem em casa, a filha olhou nos olhos do pai e franziu as sobrancelhas. Lembrou-se de quando ainda era criança e o irmão esbarrou no “bagulho”, causando uma rachadura. A mãe ficou de cama e só melhorou quando um velho amigo do pai foi visitá-los. Depois disso o irmão, que sempre fora tão carinhoso com a família, viajou com o pretexto de estudar na Europa e quase nunca escrevia, muito menos aparecia.
O avô olhava a filha como se pedisse perdão, mas esta apenas pegou os filhos pelas mãos e dirigiu-se para a porta, decidida a sair para nunca mais voltar para aquela maluquice.
Foi impedida pela mãe, que, parada na frente da porta, apoiava-se em outra ampulheta, de mais de um metro de altura e equilibrava em cada mão uma ampulhetinha de mais ou menos vinte centímetros, dizendo:
_Vai, mas agora cuida do que é teu.

sábado, 8 de novembro de 2008

A perca da Áurea

Corroendo-me. Clichê e sufocante. Faço tudo aquilo que nunca quis que fizessem comigo. Sinto-me como nunca antes. Desejo o que não devia. Cansei de fingir que ligo pra tudo isso. Sofro, sem razão.
Quem sentiu a tristeza uma vez, não será mais a mesma pessoa. Foi invadida pelo desconhecido e teme encontrá-lo de novo, mas não mede forças para ter de volta aquilo que a maldita causou, mesmo sabendo que pode tê-la novamente em seus braços, pra nunca mais largar.
Espero profundamente que tudo isso seja uma grande besteira. Vou acordar e você estará lá, sem nunca ter saído.




PS: Por favor, não comentem nesse.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

As flores têm cheiro de morte

_Então, será que o senhor poderia falar algo? É que o silêncio está pairando incomodamente entre nós, sabe? Eu sei que eu bem que poderia puxar um assunto, mas como fui eu que tive a idéia, gostaria que o senhor tivesse a honra de escolher o tema da conversa.

...


_Só umas palavrinhas, vai? Um ruidinho, um grunhido que seja. Oh, desculpe, sabemos que o senhor não é porco, mas qualquer sonzinho ajuda...Isso aqui é tão silencioso, tão melancólico que nós achamos que...Tudo bem, paramos, o senhor não é muito de conversa mesmo.


E o morto continua lá, gélido e mudo, dentro de seu caixão recém-enterrado, enquanto as rosas, indignadas com a sua falta de educação, continuam a tagarelar, agora entre si.

Até que chega o inverno e, murchas e com frio desistem e calam as bocas.
Cansei de mim, fale agora de você. Serei toda ouvidos (ou no caso, olhos). E se o meu egoísmo conseguir superar a

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Escrevo laranjas. Não importa o gosto, mas sim que as espremam e façam suco. Suco,suco,suco. E mais suco. Altamente diurético, vai sair quase tanto quanto entrou. Mas o que fica vira vitamina C, que por conseqüência deixa sua pele bonita e não deixa que seus dentes caiam.
Talvez o esforço de espremer as laranjas não valha o pequeno resultado que você tem depois, afinal é só futilidade. Laranja é futilidade, então eu sou fútil. E vou ter que recorrer à maldita pra finalizar:
"porque se tem direito ao grito, então eu grito."

([Acho que é algo assim]_A hora da estrela, Clarice Maldita Lispector)



Mas eu discordo; gritaria mesmo se não tivesse direito.

domingo, 26 de outubro de 2008

Em fevereiro tem carnaval

Torraremos, senhoras, como camarãozinho na praia acompanhado de cervejinha no verão escaldante deste país cortado pela linha imaginária e supostamente agraciado por uma sensação de falsa segurança causada pela cultura inútil de massa.
Arrastadas seremos, senhoras, pela nuvem que passa silenciosa, monocromática, aborrecida, porém crente na mudança que nunca virá e só serve para conter as emoções desses seres que gostam de imaginar-se e rotular-se como gente, tanto que quase acredita. Doce ilusão; amarga sina; salgado o gosto do mar e das estrelas; azedo-ácido o cheiro do humor; insípida a falta deste.




ps1:insípida quer dizer sem gosto.


ps2:nesse carnaval fujo de casa e só volto na quarta-feira de cinzas.

domingo, 19 de outubro de 2008

Nonada(de verdade, agora)

"Me ensinou um meio-mil de coisas...A coragem dele era muito gentil e preguiçosa...Sempre só depois do final acontecido era que a gente reconhecia como ele tinha sido homem no acontecer..."


Hoje acordei meio Guimarães Rosa.
=]
Eterna travessia.

sábado, 18 de outubro de 2008

Diversão pra mim

Divertido mesmo é observar os caracteres que aparecem pra você digitar quando posta algum comentário(perdoem a ignorância se estes já tiverem um nome ou algo parecido, eu não manjo disso aqui). Tente pronunciá-los! =D

Diversões baratas divertem mais que quaisquer outras. Aquelas pequenas, que te satisfazem por 30 segundos e que te deixam querendo mais. A sobremesa antes do almoço; o dinheiro achado no fundo do bolso e que você nem lembrava mais; um scrap daquele seu amigo que foi morar longe e não dá notícias há séculos; a nova cor do muro do vizinho; um gibi da Mônica; coisas asim. Ou não. Não sei se chamaria essas pequenas coisas de coisas pequenas. Não sei classificar felicidade, não quero classificar felicidade. Deixo as classificações pra nunca mais e me divirto sendo redundante, prolixa, chata mesmo. Mas foda-se, sempre tem um idiota que lê as minhas baboseiras. Afinal, eu escrevo pra mim mesma, egocentricamente.







Com carinho, para a mais idiota. =*

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Preguiça mata.

Morri, então.
Vão no meu pseudo-enterro. Por favor.
E dõem meus órgaos. O resto cremem e fumem depois.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

nãohátítulo

Bateu na porta. Eu não abri. Mandei ir embora e não voltar nunca mais. Disse que eu não agüentaria viver sem ele pra sempre. Verdade, mas ele não precisa ficar sabendo.
Começou a falar do passado, dos bons momentos que passamos, dos bons momentos que poderíamos passar se eu não fosse tão cabeça-dura. Sentei-me encostada na porta, a cabeça pendendo para frente: caí em prantos; não agüentaria muito mais e abriria a porta, mas as personalidades fantasiosa e realista que me rodeiam a cabeça começaram a discutir e me deixaram tonta, deitei no chão. Ele não falava mais nada, deve ter ido embora, pensei.
Uma agitação nas cortinas e eis que lá estava ele: entrara pela janela! Gritei de susto e me espremi numa posição fetal como que para me defender. Como pude ser tão idiota em pensar que desistiria tão fácil? Logo ele, sempre tão insistente. Desse momento em diante comecei a me odiar mais do que o normal e esse sentimento só aumentaria com o passar do tempo.
Ajoelhou-se ao meu lado, levantou meu rosto e enxugou-me as lágrimas. Não resisti e abracei-o. Abracei-o como se fosse o último dia, o último instante de minha vida. "Por que você tem que ser assim?", ele pergunta. Oras, mas é mesmo um tolo por pensar que escolhi essa identidade, essa propensão à volubilidade, mas não vou discutir. Ficamos assim por um bom tempo, até que, sem que eu percebesse, saiu por onde entrou e deixou apenas o seu cheiro em meus cabelos e as estrelas no céu. As estrelas de que eu sentia tanta falta. As estrelas que ninguém nem nada mais poderia me dar. Apesar de tanta raiva, de tanta amargura compartilhada involuntariamente, fomos feitos um para o outro.



terça-feira, 14 de outubro de 2008

Sonho(s)

Olhou para a esquerda e para a direita. Atravessou. Certo de que não chegaria ao outro lado. O mar de carros quase o afogou, mas nenhum deles chegou a tocá-lo. Era como flutuar entre as nuvens: você passa por elas e nem sente. Ainda assim não queria chegar ao lado oposto. Resolveu seguir um dos carros. Procurou um em especial. Foi aí que a viu. Dentro de seu carro, os vidros fechados, parecia isolada do mundo exterior. Como um anjo pairando por sobre aquelas nuvens. O engarrafamento andou alguns metros. Ele perdeu o carro de vista, mas logo o achou. Não era tão difícil de ver aquele carro vermelho berrante, que assim como ela, chamava muita atenção. Alcançou-o novamente. Bateu na janela, foi ignorado. Chamou-a pelo nome. Ela nem ao menos virou o rosto. Ele pôs-se louco. Berrou, bateu, tentou abrir a porta, forçou a maçaneta. Ela nem parecia notá-lo. Nem os passageiros e motoristas dos carros próximos. Foi aí que começou a acreditar que não fazia mais parte do mundo dos vivos. _Então aconteceu._ A garotinha no banco de trás do carro ao lado apontava para ele e cutucava a mãe. Esta apertava os olhos, mas parecia nada ver. Ele já não sabia o que fazer, nem o que era. Acenou para a menina, que retribuiu.
Os carros andaram mais e mais e enfim ele pôde ver a causa do engarrafamento. Um acidente. Uma única vítima: ele mesmo. Sangue(!): saindo de sua boca. Viu-se jogado no chão.

De sua casa.

Virou a cabeça. Limpou o sangue da boca com as costas da mão. Abriu os olhos. Viu os pés do sofá. Ouviu a TV monologando para as paredes. Sentiu o cheiro da pizza de ontem estragando o tapete. Levantou-se e chutou o controle remoto. Foi até o outro lado da sala. Abriu a porta. Saiu para a rua. Queria liberdade. Queria fugir para aquele mundo de carros e ruas e pessoas que não o viam e garotinhas que acenavam. Agora tinha apenas um propósito: fazer a mulher do carro vermelho notá-lo. Entrar no carro e fugir. Fugir para um mundo além desse. Apenas os dois. Eternamente.
Mal percebeu que adormecera novamente. E que esse seu mundo dos sonhos acabaria em breve. Ao som do despertador.

Vingança

Bateu a porta, mas não trancou. Contava os passos pela calçada, contava os segundos de sinal aberto. Atravessa uma, duas, três e na quarta rua tem uma cega. Não está com pressa, mas não pára pra ajudar, já passou da fase de fazer o bem sem olhar a quem. Lembra dos tempos em que freqüentava o centro espírita e não comia carne nem tomava leite.
Chegou à banca de jornal. Não tem Hollywood. Tudo bem, tem outra banca logo ali. Não, não interessam outras marcas de cigarro. Boa tarde. Continua a comparação com o passado. Não fumava, era saudável. É arrogante a ponto de não se arrepender de nada e a única coisa da qual sente falta é do gosto da comida; porque o que sente hoje é um mero reflexo do que sentia antes, por isso, prefere as mais condimentadas. Está engordando, mas e daí? Nunca ligou pra isso.
Agora atravessava a praça que separa uma banca da outra, Crianças. Sujas, sem dentes. Algumas com suas respectivas mães, outras com suas respectivas balas de hortelã e jujubas à venda. Pára em frente a uma, compra dois pacotes de bala. Da grande. Não por querer ajudar, mas para manter a quantidade (absurda) de açúcar diária.
Vai seguindo. Velhos. Pães. Migalhas. Pombos. Ratos com asas. Pombos são repugnantes. A última coisa que fará ao envelhecer vai ser alimenta-los. Prefere enterrar-se na própria casa e nunca mais sair, para resistir melhor ao que parece ser a maior tentação de quem chega à terceira idade. Esse pensamento faz com que levante o pé direito e o bata no chão com força, fazendo barulho; um ato típico de quem pretende espantar pássaros, tira-los do caminho. Nenhum voou; todos se viraram em sua direção e os que estavam na frente bateram o pé. Sim, vários daqueles pés com três(alguns com dois) dedos bateram no concreto, sincronizados e podia-se jurar que suas expressões mudaram: tornaram-se duras, cruéis mesmo e então voltaram a bicar os farelos como se nada houvesse acontecido.
Depois disso, decidiu, então, de olhos ainda muito arregalados e a boca aberta, contornar a praça. Entrou na lanchonete mais próxima:
_Um café, por favor...Não, não...Vocês têm conhaque?
E decidiu que da próxima vez ajudaria a cega a atravessar. E pegaria mais leve no açúcar. A arrogância ia ter que dar um tempo, porque o medo da vingança do mundo era maior.

Daltônico



Era uma cidade desbotada. Sim, desbotada. E não existe palavra que descreva melhor um lugar sem cores. Pode-se dizer que a tonalidade mais berrante já vista lá foi o cáqui (que, por acaso, não tem nada de berrante, e se você não sabe o que é cáqui, pergunte ao estilista ou ao militar mais próximo). Nem os sorvetes escaparam; quem fosse à sorveteria, só pedia creme. Creme, creme, creme. Não pediam nem mesmo flocos, pois não era monocromático. E depois de algumas pesquisas, descobriram que os donos das sorveterias não utilizavam mais corantes fortes, alegando que era simplesmente impossível, pois os tais corantes tinham desaparecido do mercado.
Nem o sol, o tão necessário e geralmente tão brilhante sol, escapou. Era cor de ferrugem! Mas uma ferrugem enferrujada por demais. Tanto que doía nos olhos. Tanto que nem esquentava mais. O sol se tornou um mero figurante na cidade; não servia pra nada, só pra fazer os olhos doerem.
Até que numa manhã fria, como todas as outras, aconteceu algo diferente. Aconteceu “alguém”. Alguém que usava calças azuis-turquesa e camisa lilás. Alguém que fazia bolas de chiclete cor-de-rosa maiores que a própria cabeça. Alguém que queria sorvete de pistache. E mais: alguém que não conseguia distinguir tons pastéis, mas que via muitas, mas muitas variações de violeta.
A cidade se reuniu em um conselho para discutir o que fazer com o dito cujo, afinal, isso não podia ficar assim. “Isso é imoral”, diziam uns, “todo esse roxo se espalhando por aí não vai dar em coisa boa!”; porém outros, mais jovens, argumentavam a favor, afinal, “que mal faz um pouquinho de cor?”. Mas a maioria opressora ganhou e o pobre “roxo imoral” foi a julgamento.
Por sorte não foi pra forca, mas sim para a prisão. E lá o fizeram trocar todas as suas cores por um cinza-sujo. O que não deu certo. Ao longo de uma semana as cores voltaram. Começaram pelos cabelos da nuca e pelas unhas dos mindinhos e daí não pararam mais; se espalharam pelos braços, pelo nariz, pelos joelhos, pelo chão, pelas paredes, pelo teto, pelas grades, pelos corredores, pelos portões, pelas ruas, pelas casas, pelos postes, pelos carros, pelos sabores de sorvete(!),pelas bicicletas, pelos cachorros, pelos cabelos, pelos apêndices, pelos corações. Até que chegaram ao sol. Mas o sol não se rendeu tão fácil; afinal foram anos e anos de brilho apagado e de frio constante! Aquilo era uma mudança muito brusca! Mas já está se acostumando e vem assumindo um tom arroxeado muito bonito. Acho que daqui a umas duas semanas vai dar praia.