ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Sobre o tempo

A ampulheta ficava na sala de estar. Mais ou menos um metro e meio de altura, mas tinha-se a impressão de que crescia mais todo dia; que bom que o teto era alto. Durava um dia inteiro; precisava ser virada ao contrário a cada meia-noite. E assim que o relógio de pêndulo dava a décima segunda badalada, a areia acabava e ele já estava a postos para girá-la. A mulher ajudava e quase sempre conseguiam, mesmo com todo aquele peso. Às vezes ela atrasava ou adiantava um pouco, mas nada que alguns esforços a mais não resolvessem.
Os filhos nunca entenderam o porquê daquilo, sempre acharam uma grande besteira, mas foram educados de modo a respeitar e nunca mexer no “artefato sagrado” (e sempre impecavelmente limpo) dos pais. Na verdade, sentiam um certo ciúme da importância que os pais davam aquilo, principalmente depois de um dia, saindo de suas camas na pontinha dos pés terem visto que os pais desciam do sótão que vivia sempre trancado, dizendo:
_Mas os nossos pequenos vêm dando mais trabalho que a ampulheta da sala! _ E os tais pequenos resolveram, silenciosamente, nunca mais comentar ou sequer pensar no ocorrido, tristes demais pra acreditar naquilo.
Com o passar dos anos, o filho mais velho foi estudar fora e, a partir de então, o casal começou a tentar fazer a filha mais moça se interessar pelo antigo objeto. A menina, porém, odiava aquele “bagulho”, parecia até ter desenvolvido uma certa fobia em relação a ele. Foi ficando mais velha e nem falava naquilo, evitava passar perto. Até que um belo dia saiu de casa, deixando os pais sozinhos para concretizar o seu “ritual da meia noite”. Nunca ficavam doentes ou indispostos e pareciam envelhecer mais devagar que as outras pessoas.
A filha casou-se, teve filhos. E como tinha um certo remorso por ter abandonado os pais quando mais jovem, acabou por levar as crianças para passar um domingo na casa dos avós. Os dois meninos arregalaram os olhos assim que viram a ampulheta e lá foi o avô tentar interessá-los pelo antigo relógio.


lalalalala


Estava na cozinha, relembrando algumas datas já há muito idas, quando ouviu um barulho de vidro quebrando-se na sala e de repente sua mãe caiu no chão desmaiada. Não entendeu o motivo do desmaio e como não conseguia reanimá-la, chamou uma ambulância, que parecia não chegar nunca e seu pai parecia mais preocupado em consertar a ampulheta que os netos derrubaram e quebraram, fazendo a areia escorrer para fora do que com a própria esposa.
Dois dias depois, a avó estava internada, em coma e os médicos não conseguiam descobrir o que tinha; parecia que simplesmente tinham “tirado a velha da tomada”. Enquanto isso, o avô catava a areia derramada sozinho, determinado não perder nenhum grão. Depois de catá-los todos, chamou um vidraceiro amigo seu. Sujeito estranho, usava umas calças largas e um chapéu com um quê de oriental, mas que reparou o vidro quebrado em um instante, fazendo com que voltasse a funcionar.
A avó teve uma melhora milagrosa. E no dia seguinte, quando o avô acertou o horário da ampulheta, ficou tão bem que teve alta; parecia não ter lhe acontecido nada.
Ao chegarem em casa, a filha olhou nos olhos do pai e franziu as sobrancelhas. Lembrou-se de quando ainda era criança e o irmão esbarrou no “bagulho”, causando uma rachadura. A mãe ficou de cama e só melhorou quando um velho amigo do pai foi visitá-los. Depois disso o irmão, que sempre fora tão carinhoso com a família, viajou com o pretexto de estudar na Europa e quase nunca escrevia, muito menos aparecia.
O avô olhava a filha como se pedisse perdão, mas esta apenas pegou os filhos pelas mãos e dirigiu-se para a porta, decidida a sair para nunca mais voltar para aquela maluquice.
Foi impedida pela mãe, que, parada na frente da porta, apoiava-se em outra ampulheta, de mais de um metro de altura e equilibrava em cada mão uma ampulhetinha de mais ou menos vinte centímetros, dizendo:
_Vai, mas agora cuida do que é teu.

9 comentários:

Ferreira, Lai disse...

Tá, o texto tá gigante e é bizarro.
u.u
Mas tipo, já que o tema é morbidez, não pude deixar de postá-lo, até porque eu tava mesmo esperando uma ocasião pra isso.
(Se não me engano, ele é de agosto ou setembro =p)

chayenne f. disse...

e, tá gigante. e você me desconcentrou no msn.
:P

Daniel Gaivota disse...

Eu coleciono ampulhetas, sabiam?

Ferreira, Lai disse...

Duvido.

Daniel Gaivota disse...

Dizer que minto sempre tem seus contras..

Vou tirar uma foto. Essa juventude exacerbadamente visualista só acredita quando vê fotos.




(nossa, eu tô ficando velho e não sabia)

Daniel Gaivota disse...

Hauahuahuha só pq a palavra de verificação que apareceu é muito boa:

BLEPA.

Daniel Gaivota disse...

Tô pra tirar a foto, mas a câmera tá sem bateria e o carregador sumiu!
Em breve eu ponho lá no orkut (afinal, ele tem que ter alguma utilidade, certo?).

[ocemnman] - mas eu li "oceanmen". E gostei.

Daniel Gaivota disse...

Engraçado, cheguei em casa ontem e uma das minhas ampulhetas estava quebrada.




PS: Daniel monologando nesse post.

Ferreira, Lai disse...

=D

Só pra virar um diálogo.