ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Em seu lugar

Sente-se no sofá. Pode falar o que quiser. Eu não sou analista, não sou psiquiatra, nem psicólogo. Só estou aqui pra ouvir, porque me interessa a tragédia alheia. Queria ter essa capacidade, a da tragédia. Desde sempre que fui assim, sem graça e isso até poderia ter dado uma boa tragédia, mas não deu. E agora cá estou, a caçar pela de outrem. Vou bebendo cada palavra, como se cada gole me tirasse a própria vida. E a cada ausência de vida que sinto, aumenta a minha necessidade de preenchê-la de vida nova, que busco em você mesmo, minha vítima. Soa clichê, mas sou um vampiro de sentimentos.
Falo pouco, o que falei até agora foi na intenção de explicar-me. Não que eu espere que me entenda, mas seria falta de educação se não me apresentasse. Quanto a você, não gaste energias. Sei tudo sobre sua vida, desde o livro favorito até o fato de não apreciar o ato da leitura. O que, particularmente, acredito ser um desperdício; uma mente brilhante necessita ser polida regularmente e nada melhor que um livro para fazê-lo. Mas perdoe-me a reflexão em hora imprópria.
Antes que comece, quero fazer apenas mais uma observação. Tente não chorar. Não suporto criaturas que se descabelam por seus próprios motivos. É egoísta, meu amigo. E não vou desculpar-me por ser grosseiro ao proferir estas palavras, ou se, por um acaso, ofendi a sua opinião. Falo apenas verdades e estas não devem ser castigadas ou silenciadas. As verdades são absolutas. Chego a enojar-me só de pensar em quão frívolos pensamentos terei de escutar por hoje. Preciso de ar, vou até a janela. Pensando bem, acho que vou mudar de rotina por agora. Adeus, não agüento mais o seu silêncio carregado de palavras e significâncias.

E foi. Pulou. Mas não caiu. Abriu os braços e como estes funcionassem como um perfeito par de asas, saiu voando em direção ao sol do meio-dia.
A pessoa no sofá se levanta, vai até a janela e o acompanha com o olhar. Espia o relógio. Ainda é cedo, mas decide ir almoçar. Merecia uma folga antes do próximo cliente da análise.

14 comentários:

Ferreira, Lai disse...

Ficou maior do que me pareceu. =/

chayenne f. disse...

Mas ficou delicioso :B

Daniel Gaivota disse...

Hauhauhauhauh! Muito bom, muito bom mesmo!
Bem apropriado à ideia deleuziana de literatura como medicina artística.

(desculpem, estou estudando pra prova.. ^^)




(compl) ¬¬

chayenne f. disse...

Também achei bem apropriado a isso aí que o Daniel disse.

uahuahauhea

Ferreira, Lai disse...

q/

Daniel Gaivota disse...

Eu também não sei direito.
É que tenho uma prova sobre Deleuze na segunda-feira, e faltei muito. Tô tentando recuperar o tempo perdido pensando nele o tempo todo.

Nem dá certo.



(eventio)

Ferreira, Lai disse...

Não sei porque, mas "Em seu lugar" me lembra algo diferente, mais "fofinho", sei lá...

E esse texto ia se chamar "No lugar do maníaco", mas aí achei muito óbvio e como eu estava me sentindo o maníaco na hora, botei esse mesmo.

=p

Igor Dorneles disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Igor Dorneles disse...

Lai, eu gostaria de ser psicólogo, na verdade queria ser psiquiatra, mas nem to a fim de enfrentar a faculdade de medicina, por isso me contentaria com psicologia se isso me tornar, por isso eu vou dizer sobre quem escuta.
Quando eu ouço alguém, sobre seus medos, anseios e desejos, eu não a julgo, eu escuto tento junto com ela achar soluções e a coisa mais frustrante é não conseguir achar essa solução, pode ser que de alguma forma eu assimile os seus sentimentos de tristeza ou alegria, mas isso não é nenhum tipo de vampirismo, é apenas conseguir tirar o peso que um sentimento pode ter no coração de alguém, afinal nós não queremos dividir o que temos com alguém? Pra mim isso é um instinto. Essa pessoa que fala também de alguma forma está sendo beneficiada por poder desabafar tudo o que está preso no seu coração.



Agora eu sou muito idiota, por que eu queria poder curar as feridas do mundo, ouvir uma historia triste no meu consultório e no final abraçar tão forte esse meu paciente e não soltá-lo, eu queria abraçar todos que estão tristes ou até mesmo falar com as pessoas estranhas e poder apenas acenar pra elas e dize-las que eu as amo e se um dia elas precisarem conversa com alguém eu estou aqui.


Acho que me perdi.

Beijos

Ferreira, Lai disse...

IgorIgorIgor!

Eu concordo com você!
Acho psicologia/análise/psiquiatria interessantíssimo, mas sei lá, é muito relativo. Tenho visto muito psicólogo que não ajuda, só atrapalha, então acabei meio desapontada com a profissão.

E é belíssima a sua vontade, por mais que haja esse sentimento de nem sempre conseguir resolver.
Acho que só a tentativa já muda alguma coisa.
;]

Ferreira, Lai disse...

E outra: eu também acho que há casos em que a própria pessoa acaba por se resolver, como no texto.
Por mais que não pareça.

Daniel Gaivota disse...

Discordo dos dois.

Acho que é um estudo legal, e tal, mas a psicologia, e a psiquiatria principalmente, hoje em dia (e esse "hoje em dia" já faz tempo, tipo uns dois séculos), caiu num ciclo de criar problemas pra explicar comportamentos.

Ora, é muito fácil pegar todo mundo que é assim e dizer que são todos hiperativos, todo mundo que é assado e chamar de transtorno bipolar, e dai dar remédios ou tratamento especial a essas pessoas. Não é assim que funciona. As pessoas não são coisas a serem consertadas, elas são, também, os "problemas". Na verdade, acho que eles (os problemas) só se agravam com esse tipo de tratamento.

Acho que a psicologia teve é uma ânsia de ser considerada ciência séria, e ai começou a fuder a vida das pessoas, como as outras ciências consideradas sérias.




Acho também, Igor, que você se decepcionaria com a profissão: Pra ser analista - como em qualquer ciência - você precisa tratar seu objeto de trabalho como um objeto literal. Tem que tratar as pessoas como máquinas com defeito.

Apesar de ser uma vontade realmente bonita - muito perto da minha própria -, o que você pretende tá mais pra conselheiro - ou menos profissional ainda: amigo - do que pra psicólogo.


E não, isso não é muito relativo (leia com vozinha fina).
x )



PS: Affe, desculpem se ficou meio agressivo, não era a intenção.. Ahuhauha! Leiam de novo, imaginando agora um tom bem amigável. : D
Eu tô com várias coisas entaladas na garganta. Blé.

PPS: É mesmo, Lai, o título do texto ficou bem melhor assim mesmo. Até porque "maníaco" é uma palavra estranha (e de significado bastante complicado), né? ^^


(omenca)

Ferreira, Lai disse...

A gente teve essa conversa sobre a psicologia que trata pessoas como se fossem iguais.

A Renata tem uma boa argumentação sobre o assunto, mas não quero estragar explicando eu mesma.
=S

Daniel revoltadão!
hueaheuheu

Daniel Gaivota disse...

Hauhauahuah desculpai!

^^


O pior é saber que eu não intimido nem um pouco..
< )