ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

domingo, 6 de junho de 2010

Antes de tudo havia o Caos

_Não escuta, você não vai entender!

Pegou o telefone, entrou no quarto, bateu a porta, que ficou sacudindo, como se dela fosse surgir um pedido desculpas; era muita falta de educação.

Meia hora depois:

_Tô saindo, não me liga! Não sei a que horas volto, não sei se volto. Eu te amo.

Uma fração de segundo depois:

_Que que vai ter pra janta?

Uma hesitação depois:

_Não, deixa, não me espera.

O tempo de um cigarro ser degustado depois:

_Olha, eu vou chegar tarde, você pode dormir. Sério mesmo.

A morte de uma formiga que passeava pela parede da sala depois:

_Vem cá, aquela lâmpada que queimou, você trocou?

Uma espiadela casa adentro depois:

_Quer que eu troque? Acho que dá tempo.

Um clique no interruptor depois:

_Ah, olha a luz aí. Deixa, então.

Uma pausa desconfortável depois. Uma coçada na testa. Uma menção de pegar o maço dos cigarros. Uma desistência; pegou o isqueiro, ficou brincando de acender e apagar.

_Bem que podia ter um sofá aqui.

Um arrependimento depois:

_Não, eu prefiro assim. Só falei isso porque queria me tacar num sofá agora. Mas deixa, eu gosto mesmo disso aqui; essa sala, como tá.

Uma pausa vazia depois:

_Sabe, faz tanto tem...Não, mentira, esquece.

Um momento de espectativa muda depois:

_Tá bem. Eu vou agora.

A maior espera do mundo contida em meio segundo depois:

_É, é isso. Tchau.

Exatos quarenta e dois minutos de puro arrependimento, autodepreciação mental, fumaça engolida, sensação de que falta algo e olhos ressecados depois:

_Voltei.

A porta_ a mesma que antes batera, frisando que queria estar só_ agora lhe sorria com escárnio. Bateu.

_Eu precisava disso, entende? Só um tempinho. (umalgoqualquermuitocurtodepois:) Já passou.

Abria-se a vedação, sem que a maçaneta precisasse girar e o cômodo lhe sorria; não estava mais só.

Um passo de pessoa adulta e não muito grande depois:

_Às vezes eu sou tão eu que me divido em dois.

A sensação dos corpos depois:

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Abraços são silenciosos.