ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Sonho(s)

Olhou para a esquerda e para a direita. Atravessou. Certo de que não chegaria ao outro lado. O mar de carros quase o afogou, mas nenhum deles chegou a tocá-lo. Era como flutuar entre as nuvens: você passa por elas e nem sente. Ainda assim não queria chegar ao lado oposto. Resolveu seguir um dos carros. Procurou um em especial. Foi aí que a viu. Dentro de seu carro, os vidros fechados, parecia isolada do mundo exterior. Como um anjo pairando por sobre aquelas nuvens. O engarrafamento andou alguns metros. Ele perdeu o carro de vista, mas logo o achou. Não era tão difícil de ver aquele carro vermelho berrante, que assim como ela, chamava muita atenção. Alcançou-o novamente. Bateu na janela, foi ignorado. Chamou-a pelo nome. Ela nem ao menos virou o rosto. Ele pôs-se louco. Berrou, bateu, tentou abrir a porta, forçou a maçaneta. Ela nem parecia notá-lo. Nem os passageiros e motoristas dos carros próximos. Foi aí que começou a acreditar que não fazia mais parte do mundo dos vivos. _Então aconteceu._ A garotinha no banco de trás do carro ao lado apontava para ele e cutucava a mãe. Esta apertava os olhos, mas parecia nada ver. Ele já não sabia o que fazer, nem o que era. Acenou para a menina, que retribuiu.
Os carros andaram mais e mais e enfim ele pôde ver a causa do engarrafamento. Um acidente. Uma única vítima: ele mesmo. Sangue(!): saindo de sua boca. Viu-se jogado no chão.

De sua casa.

Virou a cabeça. Limpou o sangue da boca com as costas da mão. Abriu os olhos. Viu os pés do sofá. Ouviu a TV monologando para as paredes. Sentiu o cheiro da pizza de ontem estragando o tapete. Levantou-se e chutou o controle remoto. Foi até o outro lado da sala. Abriu a porta. Saiu para a rua. Queria liberdade. Queria fugir para aquele mundo de carros e ruas e pessoas que não o viam e garotinhas que acenavam. Agora tinha apenas um propósito: fazer a mulher do carro vermelho notá-lo. Entrar no carro e fugir. Fugir para um mundo além desse. Apenas os dois. Eternamente.
Mal percebeu que adormecera novamente. E que esse seu mundo dos sonhos acabaria em breve. Ao som do despertador.

4 comentários:

Daniel Gaivota disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Gaivota disse...

Waking Life com uma pitada a mais de náusea. Incomodou (no bom sentido), apesar de não ser meu estilo favorito de literatura.
Você escreve de um jeito que eu sempre quis e nunca consegui escrever.

Ferreira, Lai disse...

Bem, já me disseram que eu escrevo de forma parecida com a sua(ou vice-versa), aliás, foi isso que chamou a minha atenção pro seu blog. Acho que a diferença é que você é mais simpático, ou algo assim.

Daniel Gaivota disse...

Hauhauhauhauahuha!!!