ele pensa e não diz
onde tem muita água
tudo é feliz.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Intempérie

E lá estava ela, no meio da multidão que não se calava nunca. Pra que era aquela passeata mesmo? Ah, sim, algo relacionado a direitos matrimoniais; casamentos. E o que fazia ali era o mistério. Nunca quis abraçar causa alguma; nunca quis defender qualquer direito daqueles que se unem perante a Lei ou a Deus ou seja lá o que for. A verdade é que casara por amor, simplesmente. E por isso tinha de agüentar senhoras que se diziam oprimidas pela geração de agora e que não aceitavam essa indiferença quanto ao ato de casar-se formalmente e constituir uma família.

No momento em que constatava que não gostava nada daquilo e que não deveria estar naquela praça, cercada de velhinhas com uma sede por atenção que nunca havia visto igual, sentiu-se levantada por algumas mãos e mal pôde acreditar. De repente as velhas começavam a gritar algo sobre ela; palavras difíceis de decifrar, em parte porque ela não o desejava. Mas sabia muito bem que eram frases sobre ser um exemplo para uma juventude descrita como fria e calculista. Ela sim era uma mulher digna; casara-se por amor.

Não via o marido há tempos, nem sabia o que ele andava fazendo ou mesmo onde estava. E queria muito saber se ele aprovaria seu posicionamento_que agora era sobre muitas mãos idosas_ou se o abominaria. Concluiu que ele riria, como sempre, e não lhe perguntaria nada; como e porque fora parar ali, se algum dia abraçara a causa; não, nada. Simplesmente a tiraria dali. E poderiam tomar um sorvete juntos e então esquecer tudo aquilo que aconteceu. Rindo.

Foi então que notou que aquela era a hora; projetou-se pra trás, para ganhar impulso e saltou, caindo meio de mau-jeito alguns centímetros à frente daquelas que antes a estavam segurando, fazendo todas que estavam em volta calarem-se por um instante e logo serem levadas a uma histeria coletiva nunca vista antes. Mas aquela era sua chance, precisava ser rápida. E correu como se fugisse da própria morte. E até achava que nem da dita cuja correria assim.

Chegou à outra praça, a umas duas quadras da anterior. E suspirou fundo quando viu que no lugar também havia a concentração de uma passeata. Dessa vez leu faixas que diziam ‘não à união matrimonial’, a passeata era pró divórcio e não casamento. Era um grupo bem mais jovem que o anterior, porém não havia ninguém tão novo quanto ela. E já estava quase abraçando a causa, tomando gosto por ela, visto a angústia que a outra lhe causara. Foi então que, ali, gritando com uma paixão enorme por liberdade, encontrou seu marido.